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Posts Tagged ‘Les Nourritures Terrestres’

Le Petit Robertn.f. – XIIe; dimin. de l’a. fr. aloe, lat. alauda, d’o. gaul. | Petit oiseau à plumage gris ou brunâtre (passéri formes). => 1. calandre, mauviette. «La gaie alouette au ciel a fredonné» (Ronsard). => grisoller. Chasse aux alouettes. Miroir aux alouettes. – Pâté d’alouettes, LOC. PROV. Il attend que les alouettes lui tombent toutes rôties: il ne veut pas se donner la moindre peine. | PAR ANAL. (CUIS.) Alouette sans tête: paupiette.

Seul, je goûtai la violente joie de l’orgueil. J’aimais me lever avant l’aube; j’appelais le soleil sur les chaumes; le chant de l’alouette était ma fantasie et la rosée était ma lotion d’aurore. Je me plaisais à d’excessives frugalités, mangeant si peu que ma tête en était légère et que toute sensation me devenait une sorte d’ivresse. J’ai bu de bien des vins depuis, mais aucun ne donnait, je sais, cet étourdissement du jêune, au grand matin ce vacillement de la plaine, avant que, le soleil venu, je ne dorme au creux d’une meule.

André Gide, Les Nourritures Terrestres, Livre Quatrième, I

Ora eis uma palavra que já não ouvia há algum tempo. Poderão admirar-se de, entre tão admiráveis linhas de tão diáfano livro, acabar por recortar a comum denominação de uma cotovia. E o incauto leitor terá oportunidade de se admirar ainda mais perante o seguinte:

Alouette, gentille Alouette,

Alouette, je te plumerai!

Je te plumerai la tête

(- Je te plumerai la tête)

Et la tête

(- Et la tête)

Alouette

(- Alouette)

O-o-o-oh

É mesmo a canção. Que eu cantava quando tinha nove anos. Na primária, sob a batuta de uma professora que achava interessante vestir os seus petizes com trajos franceses e colocá-los, em coro, contra o pavilhão nacional da marselhesa, realizando recitais de canções populares da francofonia (e sobretudo irritando-se quando o auditório de papás, mamãs, avôs e avós – colectivamente babados – barbaramente insistia em acompanhar Oh Champs Elysées com palmas bem desfasadamente portuguesas).

Mas como o meu passado incriminador não é para aqui chamado, permitam-me que regresse à palavra que suscitou tamanha reminiscência: cotovia. É verdade que as cotovias sentem uma estranha afinidade por poemas e líricas. Algumas sentem uma tal afinidade com a palavra escrita que consentem que o seu nome seja dado a uma editora (cujo alguns aspectos do seu catálogo se recomenda, por sinal). Coíbo-me, pois,  de transcrever alguns dos mais famosos exemplos na língua inglesa, mas faço notar que Shakespeare gentilmente inscreve a referência ao canto deste suave pássaro nos diálogos entre Romeu e a sua Julieta, nele se simbolizando o porvir de um novo dia, e a inevitável separação dos dois enamorados. Daí Romeu, espertalhão, referir que não senhor, não é a cotovia que canta, mas o rouxinol, e que portanto ainda temos muito tempo. Ardiloso.

Para além de invocar todas estas alegres cantorias, frutos de variações intermináveis de rima e tom, as alouettes surgem, na passagem em apreço, na suite de algumas descrições maravilhosas dos jardins do mundo. Traçam-se, com um liricismo paradisíaco, os retratos de alguns mundos verdes, lascivos e vicejantes, alguns floridos, alguns vazios. Dos cantos italianos aos corredores hispânicos, dos jardins árabes aos édens da existência. Na literatura inglesa, muito devido ao contributo do incomparável Bardo, a que já fiz alusão, a cotovia acaba por representar, pois, um titubeante veículo de amor entre duas almas apaixonadas, e o seu suave chilrear o ocaso das horas de paixão que ficaram por consumir.

Para os franceses, a cotovia é um pássaro que se come.

O francês não precisa de pássaros para simbolizar o amor. Nem precisa de cotovias para saber quando nasce o dia. O francês come os pássaros, e depois vai fazer amor.

Mesmo que o dia já tenha nascido.

Daí a canção sobre o depenar da pauvre bête (juro que o sentido da palavra “defenestrar” está erroneamente atribuído – a personalidade do termo assentaria que nem uma luva de cabedal ao selvático procedimento de depenagem metódica de um pássaro;  infelizmente, sinestesia e raízes linguísticas são coisas que não tendem a caminhar lado a lado).

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